sexta-feira, 13 de março de 2009

sem que se arquitete a dança
não se ópera
sem que se manifeste o ópio
não se lâmina
sem que se ferro a frio
não se enche bucho

quinta-feira, 5 de março de 2009

sonsa

o teu poema lido
a minha voz lendo ele
por sobre as letras meus olhos viram
te recitam
a mão se contém na sala de aula
tua língua viva me roça o papel
do ouvido
tragando as coxas
dentro cálida
por fora uma página pálida

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

autobiografia

todos os amigos se importam
e têm algo a dizer
mesmo que não falem nada
as coisas da minha vida
somadas às coisas da sua vida
mais a vida dos outros
é base de muita conversa
papo-furado de botequim
roteiro de filme
mesmo os nomes, usamos
sem pedir licença
tá tudo em família
(por sorte, ninguém aqui me quer mal)
e o dito hoje
passados os anos
que efeito?
eu, que em botequins fui ingrata
fui meretriz, fui fraude, fui ladra
estou hoje sendo lida com gosto pelos bebuns
estou hoje bebendo com gosto sua posição
é a vida
uns vêm, outros vãos
eu, que sempre estive cabisbaixa, enxovalhada
escrevendo minha impotência ante a hipocrisia
escárnio sem pretensão
me dando ao luxo de sorrir
nesse mundo de filha da puta
mas todos, amigos,
sabemos que tem coisa que se fala sem pensar.
sabemos da grande mãe relatividade,
que olha por nós agora e na hora de nossa morte
que olha por nós quando pecamos
quando maldizemos
quando praguejamos
e mentimos
porque todos mentimos
com esse nosso riso sentido e maquiado
porque todos não entendemos o porque
mas nos viramos uns contra os outros
e nos pusemos outros contra os outros
e com isso aprendemos como se dirige o mundo.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

bem branquinho

o ofício descoberto pela manhã entre os pássaros
a temperatura que nos abandona ao estro o amor
desvelando assimetrias de alguém que nos permita o hoje
e nesse dia outro o sol respira
e os edifícios ofegantes não percebem não desabam
eles nos deixam flexíveis e encostados
por ocasião da atmosfera embaraçada dos motivos

(para o sebastião, com palavras dele, só dele)

sábado, 29 de novembro de 2008

longe dos motivos e das sobras

.
por ocasião da manhã descoberta entre o ofício dos pássaros
e o meu
a temperatura branca em cada mínimo abandono que nos recebe
inclusive do amor ao estro do amor inclusive
porque certo respiro basta
o azo de lavar a voz com o dia fasto a água que te ilumina

por parte do sol que me dispara em confissão de completude
a mesura assimétrica de um silvestre mais íntimo
que nos concede atender e ancorar
inclusive o torpor de cada acerto inclusive
porque justo bebedouro o é a casa que te levanta a manhã
e me germina
.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

da fertilidade e do precipício

Minha poesia pode não ser estéril se eu souber discernir sem separar. Minha poesia pode ser lança e servir só de espeto de papel. Pode ter carne, pode ser brisa. Pode nem ser como por mim não tenho sido. E a primeira pessoa nem sempre é de mim, nem sou mais vivo. Passarias perene por entre plumas molhando e murchando tão sutis, tão de propósito: o de não morrer ainda, de estar na superfície flutuando, sem peso algum. Calha de ser meio-dia, mas não saberias a hora, o dia, sob efeito de que estou.
Um espeto, um peso, um aviãozinho de papel, um papel, um estilhaço. Tinta vermelha, folha de estanho. Quinze pras cinco, meu deus, meu deus. Não se demore, não seja breve, cale-te aos poucos e puxe para si o que te dei e não me coube jamais. Possua como Deus marionetes, como o vaso um jardim potencial que engana a flor engana a flor.
Ser teu abrigo? Não, primavera, não me cause tanta cor, peito que ressente o vaso fértil e pouco, tão adúltera, tão vasta vista, a gravata às seis da manhã e é tanto o número, tanta a hora, tanta a letra que o telhado se me curva e empena as portas para quem puder entrar.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

libélula

tudo isso é de um quente imperioso do qual não sou capaz. sou agora do tamanho da casa e não hei de estar maior que isso tão logo, e quando não chegas sei mais ainda qual norte minha bússola aponta. não há por onde eu entender-me com vivos, tampouco com os mortos, sei de todos eles e oro, mas sei menos ainda de ti, se comes e se andas, se chamas ferroadas de dor. não foi assim que dipus o Amor, quando éramos os artesãos, éramos também iguais, tuas costelas mediam exatamente como as minhas, somos pessoas longas e estreitas, temos pernas enormes e barriga branca e agora o que é isso que levas à boca ? tu cospes ou tu engoles enquanto aperta os olhos de tanta amargura e necessidade ? quero entender, já não sei nada do que me falas e tento encher o vazio com qualquer coisa que o desespero me põe nas mãos. o embaraço de nos vermos ocos é maior do que a busca mole e contundente pelo gozo que gozavas por cansar. dormes, também dormi e na indolência do descanso pensei a mim, mas não como pensas que a mim me penso, pensei a mim na angústia de ser gente e me desejarem musa. NÃO sou pintura nem poesia, sou matéria e matéria extensa como a tua que vive sob padecências e injúrias, matéria que re-puxa a si mesma por gozo de traição. sonhei duas vezes que de minhas mãos brotavam borboletas, duas. em outro momento, brotou uma violeta, assoprei bem no miolo e voaram joaninhas, mas não é como tu imaginas. nunca é como imaginas. nessas horas tenho certeza que o Amor é mesmo esse que agora pousa ao meu lado, por mim e só. 
acusas com tanta doçura que limito meus amantes à solidão, como tu agora sozinho, engolindo coisas, falando arrastado, dizes mesmo que tens o punhal da vida de mim nas mãos, portanto vá e corte. afunde o fio fino e corte sem tempo de jorros. alguma parte de ti há de fazer renúncia e lutar comigo. uma vez que fendas em mim foram abertas, é fácil lograr meus atos, tenta. anuncia cansaço, homem !, e permaneces com ombros fracos. faça uso de tua música, de tua indiferença, do teu Nada, faça uso dos teus pés de santo, faça uso do teu peito que pinga finas gotas de sangue e ouças ! eu preciso que ouças porque nada é dado a mim além do benefício da dúvida. essa tão chamada punição que me dás justifica todo o meu Amor porque em mim pousas feito libélula, não pesas, sentes raiva ? pegas fogo, mas não pesas. amas a mim ? não vá fumar outro cigarro, amas a mim ? me desejas ? pois vires de frente e toma-me e que seja até o talo com a sutileza destes teus dedos de harpista, até o talo, CONSEGUES OUVIR ? eu disse toma, eu disse talo, eu disse dedos e tudo se funde nessas asas de libélula que fazem sempre o favor de não pesar. te irritas com as lacunas que deixo nos nomes das coisas, porém se viesses saberias que tudo não tem nome, até o que muito parece ter. gosto particularmente quando falas do teu tempo, gosto um tanto quando pronuncias rápido as palavras enquanto lê teu poema coxo e perguntas se acho alguma coisa. não consigo entender a ti, fazes um esforço enorme para que eu jamais entenda. chamas de AMARGO o que eu chamo de CORAGEM.
não te faças de ausente, não te faças distante, ouço os cascos, ouço teus ossos trincando, o espaço é maior que um braço, mas há querenças gigantes - toma aqui a ponta dos dedos meus. amar o Amor que entremeia todas as perdições nada tem a ver com o toque, precisas apenas falar. DISSESTE PALAVRA, POR DEUS !, não te assustes pois em pouco tempo finda-se toda a madrugada e poderemos ser vivos, desfaz essa cova, desfaz esse paletó, adia tua morte junto com a minha porque hoje já somos mais.
beirando o sono nos confins de um dia enorme, teu timbre treme na Palavra, mas passa. tua poesia é manquejadora, mas presta. podes parar agora de repetir porque ainda podemos louvar o Amor sem exasperar. cale, querido, cale em condição de criança e componha o mundo.
teu mastro de sangue só a mim sobe quando ponho meu corpo de joelhos diante do teu umbigo e rogo

um pouco

desata frouxo em mim enquanto a meia-noite é miúda no apaixonamento de poder estar de fronte
meu amor é pouco aos teus cuidados-Nada, sinto que estou sendo os dedos que dissolvem a ti
enquanto nó 
somos fita de cetim

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

vespertino

é preiso compreender a folha caída
como eu rejeito essa torta
essa quase simétrica eu gosto
no meio do teu livro
um pássaro rasante feito raia
o vento ondinando ele
a copa imensa dava três árvores
feito galhos, a gente se entrelaça suspensa
qualquer coisa a gente vai praquela outra
e dali, um cara nos tirou do respiro

fui embora pra casa meio de anteontem
aquela vela tanta no chão
a lumeeira de dentro
um jasmim-manga
a mais e uma vida

terça-feira, 7 de outubro de 2008

poema para partir

volto para casa diferente do relâmpago

entretanto o luzeiro são ruídos que faço
na atmosfera embaraçada no destino na fala

encosta os teus gestos flexíveis na parede
vê se o resto do edifício desaba

a escrita é uma visitação abandonada

arruda rosa

vaqueirinho sebastião encomendou reza
sá donãna põe a veia no lugar
o sol se aguçando no ombro dele
chega

nome de bicho eu lembro de manso
de assustado de esquecido de medo
que nunca tiveram fim na mata cheia
as histórias do meu corpo negro
e grosso e encarnado
no corte do meu cabelo feito de fogo
e reses

vaqueirinho sebastião que peço lume
sá menina é boa gorda de coragem
a vereda mudando pro sossego no joelho dele
chega

nome de estrela eu sei de ponta
de rabeca e de besouro
que deram fim na areia arruda
rosa do tempo
e figas

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

sob os olhos

o que me faz reclinar

as costas os punhos

saltando dentro a lente o orifício

a bilha o diamante o saco as contas

o susto a ordem o desemprego


taquicardia

me faz reclinar a declinação das cadeiras

a caveira as pestanas

o latim genérico


postos fora os óculos

toda a epiderme suga de longe

os fatos o tapa o erro

a música, a nossa música

que vêm de fora

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

de volta

sebe
quando eu era triste e feliz
a minha bebida preferida acordando os balões
e a cacimba velha velha de rocios claros
quando havia tu ânfora tenra para toda sede

sabes que a terra é grande
jocunda que não importa o relento
a que as escolhas direito vão dar

o meu feitio é de espera e magma
e aro
que haja tu paineira prenha ao sol sebe
quando eu abro sua boca e me estou à mão

é então que eu sou feliz e sou triste
e o teu contorno vai no céu e volta

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

onze-horas

eu falo das flores eu falo do orvalho
e tudo de mim se desata do lírio
espero um dia de sol
e estou sentado à sombra
quanto mais eu leio
mais vazia a folha à minha frente suplica

desnuda a cada linha que publico
a cada linha que escondo
a cada outra que nem deixo vir
pelo menos mais setecentas páginas

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

para Fabio S.



de lonjuras me pus ao chão, os braços fazendo cruz e pequenos versos vieram a mim chegados de um anoitecer turvo empretecido, era fervura inteira a minha pele e na incandescente superfície tua me borbulhava de temor e estado de glória, quis morrer pelo luto das minhas próprias palavras, mas não poderia ser assim esses braços cruzados em prece 
eis aqui meu regresso e por esse motivo vejo tuas feições padecentes de medo, há pouco resignei em mim que não mais te veria - te veria em muitos outros, agora aqui estou muito viva e força é o que a mim não falta
força mesmo é quando te afastas e só que estou sendo produzo versos através da amendoeira
imperiosa ? sou é fraca
sozinha em mim o tempo transmuta-se em luz
estive à sombra da amendoeira já que a brancura das paredes queimava de mim os olhos pendentes e secos aos extremos de minha própria carne
eis aqui minha via de excesso

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

adornando

a recordar caminhos outros de mim
percebo o fluxo diferente de meus corpos
parece que mudam, corpo e mente, a tempo vário
e que me esqueço de quem sou
e me fui tantos que nem sou nem
sei apenas quantos passos fui afora
margeando covardia
"verão sagrado que sou"
verão que nada
todos de gelo pontiagudo
eu minhas pétalas
adornando túmulo

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

"entregue suas palavras numa folha de aula"

poema de julia pastore


seus olhos pronunciam
meu filho
chutando de outra mãe
o seu que não assumi
por não assumir a mim o pai
ele terá meus olhos
que o buscaram por todo o vazio
(e teria sido o mesmo
com o ventre mais largo)
sim estou sentindo
algo que não amor mais
não nostalgia nem vontade
estou a sentir
estou a conjeturar o sim
os talvezes
e a viver os nãos

domingo, 27 de julho de 2008

Poema na Cantina

no processo de formação do
botão de mim mesmo
(universidade)
posso provar todas as formas os
aromas, as cores.
em um momento há que se
optar por uma para ser
e levar a amargura de todas as outras
para dentro da terra e fincar
raízes sedentas pó adentro.

não é para ser lírico
que eu meto o dedo na flor.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

tapera taperinha

tapera taperinha
que eu assentei por cima da idade
tão encontrada na lasca de minha andança
na eira a lâmpada que forna uma voz
tua súbita voz sobre o rio da cura

taperinha que a madeira fazia minha
família toda de remanso e azul
podia bater palma pedir informação barbante

tapera que era de se esperar chuva
marcada para tinir dentro em quanto
da gente com o queixo no tempo
chega a estrada se larga em rima terçã
tapera taperinha

sexta-feira, 11 de julho de 2008

sumário para não esquecer que

foi um longo outono e não as pude pegar muitas
as folhas tantas que encontrei descaminhado dos olhos eu
que de repente só eu seguia não podendo mesmo o afã
de ser pego por elas no recinto íntimo dos olhos sei
que pegá-las é já uma palavra uma companhia
se não as pude pegar várias assim pois ainda

elas eram em meu caminho a minha condição

que seguia sem me deter espalhado na presença em queda eu
colhia apenas no mirar e era breve e esquecia
se ficaram quantas sem o meu gesto a minha infância
se preciso era deixá-las no outono longo que fossem
que foi preciso conceder-lhes o relento de seus acasos vivos
deixar que sejam do tempo um silêncio mais fundo
diferentes dos meus cântaros os meus pasmos deveras
e as iniciativas minhas cheias de luas e destinos diferentes
dos meus abrigos e resguardos jesus tão abstratos

que era preciso compreender e respeitar a folha caída eu

em sua própria multidão despenteada e varrida
daqueles passos que nos provocam alguma menina mão
a desviar um pouco dos precipícios abertos por hábito
se era preciso achar as folhas em paz e muito esquecer
dentre aquelas que não iam do cansaço para o sumiço
e não foi possível romper com muitas todas as poucas vistas
pois foi precisar de algumas sem razão sem o medo
que tem saciedade sem torpor e sem memória
e pegá-las pela brecha do afeto na única respiração
no sumo do braço que se estende ao necessário ao santo

essas têm comigo um passo sincero uma provisão de tempo

foi um longo outono e não raro o pude compreender
nas meadas repletas que já se podem deixar pelas ruas
na viga de uma completude que se desfaz assim sem dor
se reaparece dentro dos livros e nos cadernos faz coincidir
nós com o que de fato amamos um gesto de logo voltar
à folha caída à companhia até de uma verdade tão lisa eu
guardado com o que há de virtude nas folhas todas
o meu coração no que somos mais equinócios e rebento

se com ela eu caminho para a concretude da minha casa

domingo, 29 de junho de 2008

este me compreende somente em superfície
porque revolucionário somente até os vinte e cinco anos
e porque em celebração nos conjugamos
pois que celebremos nossos dias
até hoje e tantos muitos
amém e por todos os séculos
somos glória nossa e de nossos pais
por tabela
por opressão incógnita
por opressão e glória
de quem me clame
de quem me julgue meu e me.

sábado, 28 de junho de 2008

risco o fusco
lusco dos versos
amargo e triste por cousa
alguma e te encontro
ao menos encontro
qual ramos
amorfos ainda domingo
a parir esperança
alguma por entre as pernas
escorro líquida e absorventes
meus atos meus surtos
meus meus somente meus
e quando sigo ao alheio sou turva
e pouco me vale o que sou ao lírico
ainda que vivo soubesse a libido
ainda que fosse água límpida
e meu curso fosse de anil
e meu sábado de tequila
sal cerveja gelo limão
e me batesse o ponto das horas a fio
das noites em dia
todas em claro
em escala de trabalho
doze por trinta e seis
acordo às sete
visto-me às oito
salto do trem e fico
das dez às dezoito.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

enquanto juntava as mãos e 
centrava o espírito
elevando uma oração ouvi
uma voz parecia
que chamava alguém
(e eu juro que não senti desespero)
senti textura de penas plumas ossinhos finos
um cantado agudo pequeno

ouvi minha respiração
alento
erguer um pássaro lá pro alto

mais uma vez a voz chamava
(não pensei em ti)
não orei e centrei para ouvir

era eu mesma 
eu pequena sendo
a mim ainda menos 
na leveza observando
lá do alto a minha própria
vida.

e lá do alto
(já que nada mais tenho que tocar nesta vida)
senti um tropeço de tédio
mas prosseguia

terça-feira, 24 de junho de 2008

azulescência

recebi seus livros como socos
na boca do estômago estou lendo
e ajustando as cintas e pervertendo

você não perde por esperar eclodir
meu casulo

poder compactuar da sua morte do seu
sono da sua santidade
da minha fé tão estúpida

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Receita de mel

as abelhas bichos que voam e abano na cantina,
hexágonos conglomerados de néctar.
elas, como eu, rebolam pra lá
e pra cá, mas elas se acreditam
ouvem e reproduzem os sons das asas
das outras e encontram flor de laranjeira
(quando não entram no meu guaraná)
depois, das formas rígidas semelhantes
onde moram onde cantam onde
namoricam
pinga mel

terça-feira, 17 de junho de 2008

sê-lo Divindade

Enquanto meu corpo passa pelas avenidas que esperas o mundo e vês esse meu passear, imaginas este corpo de mim em forma e toque da maneira de outrora, fervente e rubro, tensionado e pagão ? Pois se Magna agora prevê Heládio-Altíssimo em agonia, o corpo-Heládio permanece em estado de inverno, a frieza é o que há de mais rançoso em todo encontro de espírito forma tejo. Se de plumas te cobres enquanto pairas por todo trajeto de terra seca, por quê já não flutuas ciente na liberdade de sê-lo leve, terno. A tensão produto humano do abandono e desassossego fez de nós miúdos, tamanha pequenez que interrompe no tempo os gestos que poderiam ser tantos e tão bons e lídimos, por quê de eu-Magna só esperas destruições e caos ? Poderia ser irmã de ti se dessa forma quisesses de mim, poderia ser maternal e aquecer o que é teu no ventre seco por tantos amores brilhantes
poderia eu dez mil vezes criar-te Homem e tu seres de mim na propriedade de quem verdadeiramente ama. Pois amo Heládio na tua totalidade humana, amo o Homem de ti tão habitado por adolescências, amo teu gozo denso forte e musgurento, seria em ti projeto de alma-Amor e se crescesses em mim estarias aplaudido no orgulho fraterno de apaixonamento e ternura. Se observas a passagem do meu corpo e feito em prece afastas de mim ossos carne sangue, amoleço o peito em consolação à quentura de um passado tão breve quanto o teu desejo em mim revisitado pelas noites enquanto te ausentavas - e tudo era fácil, tudo em mim reluzia uma simplicidade selvagem.
Olhar a ti em matéria-ausência é o que esmurra todas as pérolas na nuca, Divino, escorridas no colo. 
Seria a Divindade em mim criteriosa com a moral que tanto perece nessa mulher que sou, seria Deus este Homem em que te transformas, trazendo em mim o deslumbramento isento  de erros e injustiças. Pois amo tanto este Homem que tomo como minhas as palavras proferidas e anoiteço escurecendo inteira na propriedade de quem somente engole, sem amar. Lamento tua morada, teus portões, lamento teu chão empretecido de tanto desprezo, pois à casa tornaria se pudesse eu estar em ti ainda que por soberba, transformaria o corpo de mim em brasa torrando de ti os membros, corroendo de ti a pele, sendo só isso o que me destes.
Vou morrer em mágoa corajosa, sabendo que fui bravia e cruel, desde menina, sabendo que sou feita de puro Amor e no de dentro cresço e embranqueço à medida que a vida cessa de escorrer e se tomado de mim fores, Altíssimo, urro aos cantos que não mereço e encolho tal qual bicho mole seco, cavo morada em terra morta de abismos.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

poído

sem que se abram os remendos que já existem
procuro a linha e as agulhas
elas devem estar aqui em algum lugar
se bem me lembro
meu pai me orientou que as pusesse por aqui
ele sabia que eu ia precisar
e eu dizia "não, pai, eu confio nessa máquina"
mas ele estava certo
"sim, você confia, mas deixe por aqui
como as velas e os fósforos em dia de falta de luz,
porque você também confia nas lâmpadas mais que nas velas"

pensando bem,
guardarei meus poemas a punho.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

brilhando brilhando brilhando

misturado com deus
eu tinha uma bala caída no chão da área
eu tinha um serviço de santo na minha testa
no meu colchão os cabelos de palha
o betume do parto o calçamento

misturado com o poste
sabes que há sangue no urinol
sabes que é uma resignação mofada de medo
no teu pedaço de abrigo a meia boca
o assunto todo esburacado pela parede

misturado na gente
são cadelas roçando as revistas capitais
são as pernas imbecis pelo chão
em nossos dentes oxidados a chave enfiam
uma notícia pelo bagaço da latrina

quinta-feira, 12 de junho de 2008

poema que ouvi na janela

.......................alô, morro do borel

é preciso cuidar da cabeça
porque o piolho é um bichinho que,
se deixar,
come o seu cérebro
então,
os meninos e as mamães,
vamos cuidar da cabeça.

escritor depois da quinta

................................para sebastião edson macedo

pedirei ao analista que tome nota:
- são quinze anos de cintura mais alta,
pernas finas,
atenção difusa,
muitos livros.
quinze anos que meus hábitos me distanciam
desde em casa,
desde a casa em mim,
tome nota.
vinte e seis anos que não caibo em coisa alguma
nem nenhuma em mim
nem que a faça.

terça-feira, 10 de junho de 2008

do resto

a estúpida simplicidade das roupas de cama depois

do sol sobre o cesto
do alpendre prazer em viver a casa
boquiaberta para a dissipação
do resto
do mundo sustentado à beira de cada longe e ruído

a rua que aqui vai dar numa folhinha amarela lábios

hão de plantar um sono
hão de guardar os batentes do amor
justo sob a firme luminosidade
das ilhas
que desaparecem em algum lugar nos pensamentos

segunda-feira, 9 de junho de 2008

antes do almoço

eu canto dentro da flor ela abre
nácar que insiste em ser toda a minha salva
um coração preciso

fosse deitar na minha boca extrema
vulcã a baba um dia doce e hialina ela abre

xícaras de quanto é bordado o rosto fogo
num bicho que eu canto cheiro
a mato alto e limpo

eu invado com o sangue essa flor
buril de fome exata e feitura inteira afeto

ela encosta abre seu nome em mim
redondo com uma saúde rufa lava
o meu apetite

domingo, 8 de junho de 2008

Como fruta madura que cai do pé

(e ainda muito antes de apodrecer) trato de lançar fora logo as sementes todas. Portanto, prefiro cair de muito alto, me espatifando ao menor tamanho possível e ao maior número de fatiazinhas. Já que tenho mesmo que servir de adubo, seja ao menos com cheiro de vivo, com cheiro de flor ainda, feito jambo rosado, feito o floco de nuvem de dentro - melhor quando cai do pé, melhor quando não tem o que escalar - se oferece a carne aos beiços, se oferece o talho ao olfato, se chupa a semente toda e se impede, assim, à vida.

sábado, 7 de junho de 2008

Feita da matéria de pétala
ergo prece aos zumbidos
ratifico quimeras 
quadris querenças
sou inteira finura
abalos e princípios
e estou cavando ossos
no precipício do
Teu rosário.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

miguel considera margarete

repara
é para a perda que tudo flui
é na ausência que tudo floresce

claro claro
o coração dele se enche de alívio
No vão do vento vai o véu da vulva.
E vem. E volta. Violando num vôo
Veloz, vilão. Vendaval navegável
À vela. Vale vê-la, a vil: a vulva.

Felina válvula. Volúvel flama.
A flor violenta, violina, violácea.
Vago vermelho no vale da fêmea:
O véu da vulva vem num vôo e volta.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Se me tocas, de repente morro um pouco. Em todo percurso percebo pontos luminosos de todas as cores e se pudesse, Altíssimo, eu nesse meu desengonço explicaria a origem de tanto mofim nas coisas de mim, mas não posso e sequer compreendo, já que sinto as lanças todas as pontas e não sangro, devo mesmo estar deleitoso de Teu toque.
se chamam a Ti até de Pai percebo o quão longe chegaste e ensoberbeço o espírito em um êxtase que inspira parceria, sinto-me um dos Teus e contemplo meu corpo como Santo. Mas ainda restam em mim tantos vestígios de carne sangue ossos, ainda sou tão pedra, Altíssimo, ainda perdura por mim o pânico dos dias, tantos nós na alma, meu dedos tremem como se houvesse entre eles algo cuja força para segurar fosse o fracasso, o entorpecimento do que sou sinto faço tenho, solicito flores. Vejo em meus aposentos mais de quinhentos livros folha por folha tragados concisamente por essa fome de Cão-vermelhento. Coloco fogo em velas de todos os tamanhos, toras imensas estreitos filetes de cera, coloco em fogo todas as coisas das quais não tenho domínio, Senhor. Quanta vergonha por meus filhos. No fim das contas, acendo a mim, agente de Vida-amor, acendo e Ilumino pois sei que sonharam a mim toda a pele, ressurgindo em mim tudo o que não é lástima. Sou incêndio enquanto gente, é como se estivesse por dento de Ti aguardando explosão, arrebatamento do Teu crescer em mim: reviveria todas as minúcias para que o Amor-vida jamais morresse.

Deus me disse
que nascer é uma dor
que eventualmente
é esquecida
Morrer é uma dor
sentida pelo
esquecimento ?

segunda-feira, 2 de junho de 2008

a parteira

eu fiz três parto no chão de terra. as mãe rezava as ave-maria delas e eu me apegava co'santo. cada criança que eu desembuchei de minha foi tamém no chão. sentia que nem pinicando as costa, as parteira num sabia onde punha o lençol, os homem viero tudo cá pra dentro panhar o neném que eu nem tinha posto os olhos. os três uma saúde de ferro, graças a Deus. eu dei um pra dona Júlia, da fazenda no seu Antônio, as menina eu dei pra madrinha Zica, que ela cuida que nem cuidou de nós. os menino sabe que eu é que sou mãe deles tudo, mas num vem me procurar. eu tamém num vou. aqui na chácara é tudo muito longe, sabe? tem que subir de cavalo até lá em riba da cidade, depois descer nos caminhão da fazenda inda dar a sorte de achar os cavalo na volta. eles tem tudo carro hoje, tão bem de vida, o mais velho é doutor. sei de que não senhora, mas doutor deve ser aquelas coisa importante de lá da cidade grande. de primeiro nós beliscava as bochecha pra ficar rosada que nem que fosse o sol, mas lá pra cima as moça acha de passar umas tinta que colore feito boneca de louça é rosada de boca rubra que só. parece aquelas moça da zona, só que é mais bonita, as roupa chique, não tem esses decote das capivara, tem uns estampado que misericórdia. e os sapato, e os chapéu? cada coisa, menina. agora as moça vai tudo pra cidade parir co's médico. diz que num dói mais, que ela cheira um negócio e dorme, quando vê já ganhou o neném. demora uma semana pra ficar de pé, porque o médico rasga ela de fora a fora quando o neném tá virado, ela não consegue levantar. deus me livre.nossa senhora do bom parto que protege elas tudo, e os médico. antigamente a gente sabia fazer as coisa, homem não podia ver. agora elas se abre tuda pros médico, cruz credo. deus que perdoa elas.

inveja e querença

faço um esboço do dia em que estrelas minhas todas. ainda valho menos. ainda menos no dia em que esboço... essa música... esse caderno ainda virgem. tenho escrito pouco e pouco a pouco menos. um pouco mais de ânimo, um pouco mais de vida, um pouco mais de luz. faço um esboço do dia. estrelas todas, todas elas minhas. os livros que meus amigos escreverão, após e muito melhores que o meu. todos muito melhores. e eu, tão pura, tão crente, antes de tudo pública, antes mesmo da minha estréia. meu palco ainda frio aguarda. esse não me tomam, esse há de ser meu palco. não sei bem por que inicio, nem qual seria minha finalidade. me faltam desde o verbo à mais sintética das anomalias, a folha branca. me falta o fundo e o texto.

estrelas minhas conceber-me teu técnico, por ti (e somente um tu) estar a transformar alquimista pacotes em alimentos. quando se dobra em mim a pessoa segunda (e tem sido segunda e dupla em mim também a primeira) a dos versos de sempre e a que em prosa se persona. furto-me o acreditar das coisas tão somente por não-inocência. quem me dera haver um relógio de ponto a soar minha hora de retorno. estaria acordada por instantes - instantes esses como o sono profundo de que sonhos não me lembro. pena de mim se buscasse auto-compreensão: tenho entranhas despejadas por uma ponta de esferográfica, escorrida pelos bueiros à beira da calçada.

acordar com chuva

acordar com chuva
não hoje nos dias que rumorejam
minhas amarras meus dedos
emporcalhados de uma triste esperança acordar
com chuva quando há sol no vão dos prédios
e a semana não desabou
sobre a inclinação das pendências

sobrecarregado estava o céu veemente
e enquanto dormias distraído da conspiração
de tuas águas mais escuras arrebentou-se
o silêncio fosco dos passeios privados
de tudo e deveras públicos
encharcando o ouvido do mais espesso
passado acordar com

chuva em pleno sol acordar seco
sólido acordar a manhã
limpa o coração tão estrondo

domingo, 1 de junho de 2008

uma abóbada importante

para quem tinha enormes montanhas postas em movimento
e zelava os contrafortes do amor
é estranho que abrevie na boca a imensidão do tempo
esse tempo roxo sem tamanho algum

porque já habitam árvores de páginas muito incertas
nas difusas velocidades da dor
e é provável que vocês nunca mais façam os olhos
desses olhos queridos ao longo do céu

para quem tinha acabado de perceber o atrevimento da morte
hora de atrelar um carro ao boi

chá das três (às três)

as janelas maiores que a casa
apanham
a folha molhada do chão

mastigo hortelã do teu vasinho
infusão
tua penumbra me é luz intensa

saio de mim
passageiro do banco de trás
modifico da crista à casta
por influência

quinta-feira, 29 de maio de 2008

fragmentos

no fundo não importa se há alguma metafísica em atirar um copo contra o chão, abrir uma fenda no tornozelo e deixar escorrer, não se sabe exatamente se há qualquer metafísica na própria, na tal, e é em minha Mãe vislumbro todas as coisas que fazem de mim o hoje venho sendo e que isso não é ruim, tudo passa, vai ficar boazinha logo, enquanto embalada por Ele encontro paz mesmo sem ter morada, mesmo com a testa um pouco arroxeada por tanta cegueira, eu sei que passa

Ézio sabe que precisa dormir e que há vida-fogo em seus quadris, se dói o dorso não é nada, vai ficar bonzinho logo, é só indigestão, agora ele aprendeu a orar, descobriu que não é necessária uma penitência nem joelhos nem mãos dando nós, só a palma na outra, conheceu sua conversa com Deus e agora entende que certas coisas são amargas, mas existem as framboesas, meu amor, para quê tanta urgência ? sem martírios nem maracujá, me dá uma aflição na língua, meu amor, uns arrepios na espinha, não preciso disso EU TENHO DEUS e se tu soubesses e n'Ele ousasses crer diria a ti que em meu quarto a criatura faz a si em estado de deslumbre espargindo brilhos e luzes de cores tão frias, tudo de uma beleza celeste e toco-Lhe a face grande muito grande ! posso perceber tanta braveza em mim depois que tudo se esvai, não há fumaça, não faz vezes de gênio em lâmpadas, vai flutuando e durmo com a soberba de quem sente muito mais porque assim Ele quis

portanto não há nada, não chores não, cuidado quando fores atravessar, observes com zelo os carros que passam parece que pouco importa, mas não, importa muito e nunca saberás porquê, sou Ézio-nascente e sofro de meus devaneios e pudores, mas importa. vai ficar boazinha logo, cuido de tua testa e enquando espalhas por tua face o sumo da fruta que injeto em ti, te tornas uma mulher tão perigosa e valente

deixo em ti meus brilhantes e sigo o tempo de mim e só quando Deus não se faz presente consigo refestelar teu corpo, pois a matéria de quem tenho sido aos poucos se esvai e cada vez mais, meu amor, cada vez mais DEUS VÊ A MIM.



- fragmento do (sic) conto "Ézio".



obs.: sinceras desculpas.

terça-feira, 27 de maio de 2008

impulsiva é a minha pica. eu pensei muito antes. éramos amigos, não lembra? e quanto não durou aquele momento dentro de mim, e quanto não pesei antes e durante e logo depois e agora. acho tudo um grande absurdo, mais uma de minhas opções estúpidas - só pode, já que estou sendo tratada como impulsiva. só pode ser que um merda esteja justamente se dando à descarga depois de mais um de meus correntes partos... pois sim, muito apego por coisa vã.

os orientais entendem a música sob outros prismas. gosto porque, da primeira vez que ouvi, certos estigmas da composição musical em mim impregnados simplesmente desabaram. e eu ficava tonta tentando apanhá-los pelo chão, tão jovem ainda!, eles pulavam me enfeitiçando, me instigando. percebi que meus instintos-estigmas de proteção eram vãos e me deixei levar. nesse dia, foram doze horas de uma musicalidade justa e serena. doze horas de respiração alternada, de temperatura controlada, solas frias, olhar opaco, garganta seca e um copo d'água. foi, sim, em mim experiência única, mas não posso querer infringir o outro. não posso querer dar rótulos ao outro, e achar que com isso sei o que o outro pensa. cacete! pudera saber isso! pudera saber e manipular e tornar de meu grado! mas ninguém sabe.


*** esse blog tá catastrófico. saiam de perto das janelas.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

eu poderia também falar sobre o que quisessem. poderia até ser outra, lançar-me como antes sempre fui de fazer. valha-me não querer mais. valha-me estar aqui a tecer redondilhas de crochê, com linha velha e agulha torta como prêmio pelo tanto que quis, pelo longe que fui. se me pego aos soluços? não, não sou mais líquida. meus olhos secaram desde a primavera, não lembra? não lembra como ainda chorava, apesar de tão dura já a minha vida? apesar do torpor tamanho de minhas ventas e dos alheios que me cercavam encarcerados em tumbas de concreto federal. aqui de fora desse aterro sanitário, sem o enxofre, meus olhos secaram.

devo passar a gola da camisa de trabalho, devo escolher o feijão e refogar o arroz, devo talhar o bife separando-me os nervos, devo passar a vassoura com pano úmido enrolado, devo deixar aberta a janela para entrarem as montanhas pela manhã, devo escovar os dentes antes de sentar ao computador, devo esperar um beijo um presente um jantar, devo sonhar com meus filhos saindo de mim para perto de mim todos eles, devo ligar ao meiodia com voz de cafédamanhã - e ser bomdia, de bomgrado, por todavida.

sábado, 24 de maio de 2008

sobre todas as coisas

se quiserem posso muito bem falar sobre flores, ninhos, animais. se quiserem eu posso o que EU bem quiser. posso brincar de ser teto, de ser folha, de estar certa. se assim bem quiserem, posso inventar que dá certo ser poeta, que é divina a tempestade de existir sendo como se é. posso pontuar o tempo todo, posso parar meu próprio tempo, posso buscar e transformar dor em sossego, eu posso estar em qualquer lugar que seja e ainda brincar de estar aí: olhe para baixo, os dois olhos são meus. eu posso encontrar descanso nessa noite tão bonita e adotar um desses cachorrinhos com olhos tristes redondos de bicho, eu posso ser em mim esses olhos e ninguém nunca vai perceber, nunca. eu posso nunca mais escrever a palavra paixão em nada que seja de mim e ainda assim virar infortúnio, ninguém sabe. vamos fingir todos que há alicerce na saudade e que é de clareza que a vida vive. faz de conta que eu nunca disse que nessa vida me faltava morrer um pouco porque ando sentindo falta até de adoecer. e se eu contar agora que falo igual nordestino e que finalmente psicografei Deus falando de solidão ? não digam por aí que eu fiquei biruta, nem digam que eu não encaixo porque não escrevo poesia, não faço verso, não faço mercê a mares azulentos e molhados. vamos todos brincar de porcelana e raxar um pouquinho, deixar escorrer, ganhar carinho ? vamos todos entender que ser homem não é sopa e que seria necessária a décima parte de muros abaixo para que houvesse, aqui em mim, um caminho

até aí

meu passo sendo leve:

fiz poema até sobre o chão que pisei - todos pisaram.

e ninguém sabe. 

terça-feira, 13 de maio de 2008

ao que grita:

julgo ser proveniente de mim essa dor polpa e fruto de minha própria inabilidade perante a intuição que sempre há, vem chegando em mim moldada de verdades tão brutas coberta de cascas, a verdade e eu com a ponta dos dedos nos vincos, eu, Haydée acariciando farpas navalhas ferrões, em forma de cruz o óleo na testa - testamento de Haydée-menina de Deus buscando nome para o desamparo, abandono, cedência, em círculos ao redor do mesmo meio 
Nada em mim prolonga-se mais de ti, percebes, então, a tristeza ? que tu tenhas dó de tua casmurrice enquanto eu acabo por consumar minhas lembranças enquanto Haydée-mirone querendo conter em si as crueldades ranços o postergar-se diante dos acontecimentos, desencontros, retendo nos olhos o brilho de ser tantas, de ter tantas, e sentir a si mesma miúda parva arroxeada, cheia de nós, truncada - TROCADA
Hans sobe os degraus como quem não sabe que o bem e o mal coexistem e estão circunscritos em sua própria morada, longilíneo Hans permanece a subir como se não houvesse queda, como se o abismo fosse abrigo dos tresvarios de Haydée, imune que está Hans sequer fala coisa qualquer, só pensa no alto, na subida, na Vida, e esquece, o pobre, completamente da Vida que instalou-se por entre os joelhos das duas pessoas que foram, olvidando da alma em espectro de amores que lhe fora oferecida 
como diria eu, Haydée que amo a ti sem que isso parecesse absurdo ?
diz de fronte a esta que agora masca seus próprios pecados, diz que há um perdão a ser pedido que há alma-Hans nos pequenos espaços do teu corpo prolixo, juventude d'O Grande,  Bendito-seja teu júbilo de mim, constato como dados exatos física cálculo: eu morro quinhentas vezes, morro e alma insiste, obstina-se a crescer
pergunto-me se no mérito de ser eu, na rouquidão dos sons de Haydée, se é possível que me ames, como se estivesse tudo apertado em uma nuvem de tranqüilidade, como se o peito em mim - que escorre escorre - pudesse saber dessas sutilezas, como poderia eu de forma qualquer entender, se a própria Vida não percebe ?

segunda-feira, 12 de maio de 2008

cético

ao dizer a verdade -
rubro como ainda não os frutos dessa pimenteira -
seria trágico, arderia em mim
tanto quanto teu ano de espera

deixa-me roncar um sono de olho só
deixa-me acreditar que estou onde deveria
deixa-me
que estou a deixar-te tão certo quanto antes

não me fales em vontade
que de livre fiz-me indesmanchável
como a mácula que deixei de amor no teu corpo
um tanto meu
e que deixaste no meu
até o fim que não pode ainda haver

domingo, 11 de maio de 2008

como se quisesse parar o curso do silêncio, disparo meu verbo quente por outra boca adentro, me deparo com o raciocínio díspar de meus pares, e me percebo ímpar. e de tanta ação, tenho dor-de-cabeça. ela emagrece eu engordo. por trás da cortina que balança suave ao vento, espreita aquele mesmo pássaro, como se não sentisse o frio nem pudesse cantar. aqui de dentro faz ainda mais frio, tanto frio que estou sólido. estou e ela me aquece o peito, me abre as pernas onde o jato me borrifa em partes para dentro, em parte ainda fora, me guardo murcho para dentro das calças e das carapuças. não fosse o horário acordava Délia a me fazer um café. talvez um chá, que acalma os nervos e aquece. um chá com mel adoçado.
cantava de amores e querença enquanto caminhava em sapatos de cetim em plena terra molhada soterrando os saltos e mantendo equilíbrio, andava com disparate que era agressivo sentir a insuficiência de todos os meus recursos, tão parcos, suspensa que estava no desencontro, tinha em mim uma certeza, uma espécie de compensação para um eventual desapontamento baseada sempre na pequenez das coisas, na falta de clareza, para dizer o mínimo, na miudez dos acasos que hoje estão tão apoucados, um suspiro em lamento. de que valem tantos pormenores se nenhum deles seria estopim de Nada, afinal, se agora tudo em mim está suando, sofrendo, assumindo uma existência de terra, aspirando
ando querendo assumir outro haver há tempos pra ver se sai de ti-mim essa névoa irresoluta que repousa como se de mim-ti esperasse um sopro-gesto, é como se a terra por instantes pudesse andar atrás de ti e fosse te brotando florescendo, é como se a terra fosse a mim-tu virando de nós as têmporas antes de matar a sede.

sábado, 10 de maio de 2008

muito longe de estar em paz, navego meus peixes em águas mansas de serenidade e nostalgia. importa-me que sejam mansas, apenas, como a pluma que vai ao vento, e não quando o vento é tanto que agita as águas. a adrenalina do bagunçar das águas do alto mar cambaleante como prancha de surf, cambaleantes como ratos a caminhar em cordas bambas estendidas pelo infinito e para o infinito, cambaleante como o pilar erguido de minha sanidade entristecida e exagerada, cambaleante como a estrada turva da chuva que faz dentro e fora desse carro, eu sigo, aqui dentro eu sigo, mas por fora fico em paz. eu preciso disso, sem medida me faço um tanto maior, ferida por anzóis, embolada em fios de náilom, sim, porém jorrada sangue fora.
se isso fosse amor de verdade, se não quisesse apenas o torpor de minha dúvida... sim, porque minhas águas límpidas sabem trovoadas como poucos poetas. para que meu rompimento comigo mesma, com o projeto do filho que tenho e dos que ainda terei? por que meus pactos de fé poderiam ser dissolvidos assim e apenas, sem mais nada, somente um sorriso, um amor de verbo, uma análise da superfície? e por que, também, tão certa que estou disso tudo, não fico em paz?

não é tão simples. não é tão simples, e o deixar-me fluir pode ser que me preencha em momentos. assim como em momento me preencheste tempestade. o xis é que os momentos de prazer e liberdade, tive, sim, ao teu lado. e os momentos que me encaminham ao que almejo ser/ ter, são todos aqui.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Viver em estado de absurdo como instância contínua, em espera sem súplicas, os bolsos sempre cheios, sempre sem som, o soluço da rua que inteira chorou comigo baixinho, baixinho. Pois não acorde de mim nada que não seja teu, tudo em mim pulsa de tal forma a ser improvável que agora eu ande meio passo para trás. Enxugar de mim todo ranço desses pensamentos repugnantes, resta agora abrir os braços - a ti; e esse diabo que se fez do meu pensar não mais estará entre nossos travesseiros, promessa de mim acredites que sou mulher-árvore e sabes muito bem.
Engolir esse meu segredo feito prece a quem tem sede pois seria preciso a maior das crueldades para proferir de mim essa alma que tenho sido e é aqui mesmo que eu quero ficar.
não era pra ser mesmo. as coisas terminaram, há muito tempo eles nem sequer se procuravam, e agora, por um oportunismo infantil ou menos, ela não se deixaria levar à ruína. quem não sabe ler, que entenda. um equívoco. um equívoco, nada mais. amor, paixão, loucura, isso tudo ela vive agora, com outra pessoa, em igual escala e em mão dupla. de resto, equívoco. de que adianta criar expectativas, puta que pariu, se cada coisa em seu tempo não aconteceu? por que fazer acontecer o que não aconteceu? não houve, é triste, eu sei, pode ser. é irritante até. mas dar brecha pra oportunismo, isso não. não dá pra querer definir o que se vai viver ou deixar de. é precisa a vida.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

ao mesmo tempo que acho isso tudo o máximo, acho tudo isso muito ridículo. feito gente que usa os exemplos dos livros e nada mais. feito gente emblemática que se enaltece, se distancia, e por isso se torna melhor e mais forte. gente que escalona as coisas como se as coisas não fossem as coisas que são, como se fossem apenas coisas. a definição disso ou daquilo às vezes gera sensação de conforto. mas como não só de conforto se pode viver, não só de sensação se pode viver, porra! olhar mais para as coisas e vê-las como realmente são pode resolver as coisas. não que as coisas precisem ser resolvidas, porque, em essência, nem tudo precisa de solução. mas tem coisa que precisa, tem coisa que se não olhada a fundo, se não sentida a fundo pode até enlouquecer. não que a solução e a loucura também não possam ser outras coisas que precisam ser vistas individualmente. Porque às vezes precisam. às vezes, por exemplo, preciso escrever um soneto, outras vezes uma página de diário, noutras as letras me enojam. tem coisa que se explica, coisa de que nem se fala. e como saber se vale a pena? como definir se valer a pena é o que se quer? como optar por fazer simplesmente o que se quer? e o que é o querer, ainda, para que o defina? mas por que tanta definição? não seria melhor estar alheio, e quanto mais alheio mais surpreender(-se)?

terça-feira, 6 de maio de 2008

eu ainda acho que amo pouco
- "e é tanto amor no mundo".
no umbral de quem mutila a si próprio vi teus pés 
teu corpo, por onde andará ?
cristalizou minha memória nas costelas nuas daquele instante e estive inteira em mim por horas
calcei teus pés para não me perder de ti, estivemos, afinal, no mesmo lugar.
para poder morrer em paz
surge em mim um semi-Deus.

domingo, 4 de maio de 2008

para seu inverno
um cálice de meu vinho cara a dentro.
de fazer meu papel mel
tornei-me seco líqüid(ad)o
qual seus olhos grandes barris de carvalho
no mais rígido
rascante
poema

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Se te ausentas faz inverno em mim
como criança sou acolhida
pela minha própria
pureza.

Alma gélida
vida insone.

Não apenas de tuas delongas
fez-se o carma.
É essa cruzada de fogo
esse meu esperar no teu devir
essa persona-infância em que
encontro a mim
ambiciando tatear tuas sombras
e afetos.

É o olho de mim,
contundente.
Escorre feito magma
coisa grande demais.
Castelo de areia

Não vou caber nesse timbre
trêmulo da tua voz
Fico neste mesmo lugar
- pertencendo-ser-sendo !

Percebas que enquanto
gente, sou
pivete:
a mulher é toda poesia de sê-lo.
São jogos agigantados de
passos fáceis.

Difícil é tua mão em
mim
e o quanto quero todas
as proporções.

Que aceites de mim o 
muito que poder ser
teu, no momento
que quiseres.
Eu, enquanto criança
poderia fazer-te feliz.

Porém, não sei
meu bem, não sei mais
brincar e sinto
sinto o tempo todo.

terça-feira, 29 de abril de 2008

amantíssimo cumpadre,

Não dá pra adoecer assim, simultaneamente. Ando com pulmões traidores há tempos, mas não páro, não largo, não deixo de fumar, como se os cigarros fossem algo de tão sincero quanto minha própria febre. Pois ando febril, ainda, carne mole costas dolentes. Não sou um homem mau, tu bem sabes, contudo, bom não posso ser. Antes de mais nada, agora, sou um homem doente. Entretanto, minha moléstia não impede a mim o tabaco e água de colônia, ainda que me irrite a garganta - a água, nunca o diabo. Quando soube, cumpadre, que andavas acamado, justo hoje, o espanto desatou de mim a febre, os pulmões, a garganta. Como só de chagas estamos feitos, quis saber se a melhora é previsão ou ato de esperançar; trouxe de Minas Gerais dois litros da branca-boa e os cigarros de palhoça. 

Ando fazendo amor demais, sabes que gostaria de tocar-te; tu bem sabes de minhas falcatruas para conceber em mim tantos haveres, no entanto, prefiro mesmo os extremos de minha própria carne - se levanto os braços tu consegues me ver as costelas ! Os músculos estão nos quadris daquela pequena, ela que não deixa a mim e eu gosto; têm mais uso com ela do que comigo, é certo - os músculos. 

Este telegrama só mesmo serviu pra eu te dizer que esta bendita febre me fez pensar em Deus, mais uma vez. Mas tudo continua igual, cumpadre !  Me manda agora tomar remédios, a Adalberta - das nádegas de pão-de-açúcar, panos frios me colocam às ventas, valha-me ! Estou cobiçando a compra de um papagaio, desses bem verdes e que falam de tudo, chamarei de Arnaldo. 

Preciso parar por hoje, cumpadre. Óculos fracos, mão trêmula: apareça que ainda faço de tudo. 
A-v-i-v-a - t-e !

toma prosa - a despeito de política

- Você de hoje em diante me acorda às oito e meia com cheiro de café. Me serve às nove, me dá a roupa passada e a toalha limpa. Tem que lavar e quarar e passar a toalha todo dia, com ferro bem quente, com ferro bem quente pra matar os germes. Roupa de baixo também tem que ser ferro bem quente. E usar desinfetante na lavagem. Varre a casa todo dia porque eu gosto de andar descalço, como quando morava na roça.

- No meu tempo era chão de terra batida, pai me levava nas costas até a cama para não sujar o lençol, que também se passava à ferro na cama. Antes de dormir, aquele cheiro de sabão de coco tostado, cama quente e eu chorava de pena dele e ele me sorria.

- Me traz o jornal depois do café. Eu disse depois. A outra senhora que trabalhava aqui não deu certo por isso. Ela me fazia tudo atrapalhada, acabava que eu saia engolindo o jornal quente entrando no carro lendo borras de café, por favor. Veja bem: eu acordo, tomo banho, tomo café, leio jornal e saio, nessa ordem, todo dia. Mais nada. Você pode comer e assistir televisão. Chego às dezesseis. às dezesseis não apareça pela sala, não venha limpar o quarto, não exista. Vou sentar ao computador pois preciso terminar o romance.

- O senhor vai desmanchar com a moça do computador?

- Não... Estou escrevendo uma história, sabe, você nunca leu nenhuma história? Nem uma história do tipo bandido e mocinho?

- Sei, que nem novela da televisão, né? Li não senhor. Minhas filha sabe ler, graças a deus. Meu marido-que-deus-o-tenha também sabia. Mas eu fui criada com muita dificuldade, meus pais era caseiro da chácara da dona Maria, avó do senhor. Eles tomava conta de sua mãe, ensinava ela as coisa, e eu cuidava das coisa dela, arrumava as boneca, limpava a cômoda. Se eu estudo, a mãe do senhor nem era mãe do senhor talvez.

- Eu vou ver depois uma escola perto daqui com os colegas de faculdade. Assim você aprende a ler, já que minha mãe é minha mãe, sim? Agora faz-o-favor: são dezoito horas. Minha hora de falar com a Fátima. Desapareça e prepare uma sopinha bem leve, estou um pouco indisposto. O horário do jantar é...

- ... às vinte horas. Sim, senhor. O senhor é um anjo, seu Márcio, dona-Tania-que-deus-a-tenha que te abençõe ao lado de deus que ela deve estar. Como deve ficar orgulhosa desse filho tão bom. O senhor vem mesmo como deputado, que eu falo pra todo mundo na escola que o senhor é muito bom e eu voto no senhor. Imagina só, eu, com cinqüenta anos estudando! Nunca é tarde, seu Márcio, nunca é tarde!

Sai falando: "graças a deus! graças a deus!" Márcio resolve visitar a escola com o chefe de campanha.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

escutava leãozinho e bebia um vinho enquanto esperava. não agüentava mais a demora. não via a hora da chuva não interromper mais os abraços. nem do pôr-do-sol queimar os olhos e a pele. preferia que os vinhos fossem tintos e secos, e que as músicas fossem tímidas e suaves. chegando à gênese, gente que gosta de vinho escuta e cede-se ao leito. se rubro, não recorre ao cigarro. a fumaça que se erva é de outro prumo. que me vai de pessoal nessa embromada embrionária? em leito escorre sábia aspereza, adormecida desejada reprimida uniforme.
encontrei a mim feito criança quando chegaste com muitas horas, sorriso vasto, olhos grandes - quantos olhos tu tens ! -, e estendi a ti meu abraço e suspiro aliviado em enfim ver a ti ali, matéria. e tu fazes sempre a coisa diária, com teus cafés e dedos fortes e eu calcando teus tornozelos de homem lúcido e mudo, a loucura-amor de causos que vou despetalando das mangas, com desordenada incandescência na carne trêmula que carrego querendo tanto estar ali (em ti), dissimulando a altivez sabendo a delícia do não-compreender teus sinais, a euforia refinando afinidades
tão bom amar a ti agora.
enquanto brinco com meus cabelos, em novelos, todos os fios, quase não há mais dedos meus em mim, tu me olhas como se do avesso me soubesses e eu te digo tanto, mas tanto: pois cale a mim um pouco ! se já nem eu suporto mais minhas divagações, gostaria de ouvir que há amor por trás deste rosto pequeno, cale a mim, rapaz, não posso mais sustentar estas minhas palavras de profeta-menina, fiquei miúda, não sentes ?, depois que te pertenci. 
que eu possa te convencer que o tento que te espero não faz de mim tão assim solícita aos teus tempos
se entendêssemos o abismo em que nos metemos, só nos restariam as bocas, simultâneas, para charcar a língua.