sexta-feira, 17 de outubro de 2008

da fertilidade e do precipício

Minha poesia pode não ser estéril se eu souber discernir sem separar. Minha poesia pode ser lança e servir só de espeto de papel. Pode ter carne, pode ser brisa. Pode nem ser como por mim não tenho sido. E a primeira pessoa nem sempre é de mim, nem sou mais vivo. Passarias perene por entre plumas molhando e murchando tão sutis, tão de propósito: o de não morrer ainda, de estar na superfície flutuando, sem peso algum. Calha de ser meio-dia, mas não saberias a hora, o dia, sob efeito de que estou.
Um espeto, um peso, um aviãozinho de papel, um papel, um estilhaço. Tinta vermelha, folha de estanho. Quinze pras cinco, meu deus, meu deus. Não se demore, não seja breve, cale-te aos poucos e puxe para si o que te dei e não me coube jamais. Possua como Deus marionetes, como o vaso um jardim potencial que engana a flor engana a flor.
Ser teu abrigo? Não, primavera, não me cause tanta cor, peito que ressente o vaso fértil e pouco, tão adúltera, tão vasta vista, a gravata às seis da manhã e é tanto o número, tanta a hora, tanta a letra que o telhado se me curva e empena as portas para quem puder entrar.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

libélula

tudo isso é de um quente imperioso do qual não sou capaz. sou agora do tamanho da casa e não hei de estar maior que isso tão logo, e quando não chegas sei mais ainda qual norte minha bússola aponta. não há por onde eu entender-me com vivos, tampouco com os mortos, sei de todos eles e oro, mas sei menos ainda de ti, se comes e se andas, se chamas ferroadas de dor. não foi assim que dipus o Amor, quando éramos os artesãos, éramos também iguais, tuas costelas mediam exatamente como as minhas, somos pessoas longas e estreitas, temos pernas enormes e barriga branca e agora o que é isso que levas à boca ? tu cospes ou tu engoles enquanto aperta os olhos de tanta amargura e necessidade ? quero entender, já não sei nada do que me falas e tento encher o vazio com qualquer coisa que o desespero me põe nas mãos. o embaraço de nos vermos ocos é maior do que a busca mole e contundente pelo gozo que gozavas por cansar. dormes, também dormi e na indolência do descanso pensei a mim, mas não como pensas que a mim me penso, pensei a mim na angústia de ser gente e me desejarem musa. NÃO sou pintura nem poesia, sou matéria e matéria extensa como a tua que vive sob padecências e injúrias, matéria que re-puxa a si mesma por gozo de traição. sonhei duas vezes que de minhas mãos brotavam borboletas, duas. em outro momento, brotou uma violeta, assoprei bem no miolo e voaram joaninhas, mas não é como tu imaginas. nunca é como imaginas. nessas horas tenho certeza que o Amor é mesmo esse que agora pousa ao meu lado, por mim e só. 
acusas com tanta doçura que limito meus amantes à solidão, como tu agora sozinho, engolindo coisas, falando arrastado, dizes mesmo que tens o punhal da vida de mim nas mãos, portanto vá e corte. afunde o fio fino e corte sem tempo de jorros. alguma parte de ti há de fazer renúncia e lutar comigo. uma vez que fendas em mim foram abertas, é fácil lograr meus atos, tenta. anuncia cansaço, homem !, e permaneces com ombros fracos. faça uso de tua música, de tua indiferença, do teu Nada, faça uso dos teus pés de santo, faça uso do teu peito que pinga finas gotas de sangue e ouças ! eu preciso que ouças porque nada é dado a mim além do benefício da dúvida. essa tão chamada punição que me dás justifica todo o meu Amor porque em mim pousas feito libélula, não pesas, sentes raiva ? pegas fogo, mas não pesas. amas a mim ? não vá fumar outro cigarro, amas a mim ? me desejas ? pois vires de frente e toma-me e que seja até o talo com a sutileza destes teus dedos de harpista, até o talo, CONSEGUES OUVIR ? eu disse toma, eu disse talo, eu disse dedos e tudo se funde nessas asas de libélula que fazem sempre o favor de não pesar. te irritas com as lacunas que deixo nos nomes das coisas, porém se viesses saberias que tudo não tem nome, até o que muito parece ter. gosto particularmente quando falas do teu tempo, gosto um tanto quando pronuncias rápido as palavras enquanto lê teu poema coxo e perguntas se acho alguma coisa. não consigo entender a ti, fazes um esforço enorme para que eu jamais entenda. chamas de AMARGO o que eu chamo de CORAGEM.
não te faças de ausente, não te faças distante, ouço os cascos, ouço teus ossos trincando, o espaço é maior que um braço, mas há querenças gigantes - toma aqui a ponta dos dedos meus. amar o Amor que entremeia todas as perdições nada tem a ver com o toque, precisas apenas falar. DISSESTE PALAVRA, POR DEUS !, não te assustes pois em pouco tempo finda-se toda a madrugada e poderemos ser vivos, desfaz essa cova, desfaz esse paletó, adia tua morte junto com a minha porque hoje já somos mais.
beirando o sono nos confins de um dia enorme, teu timbre treme na Palavra, mas passa. tua poesia é manquejadora, mas presta. podes parar agora de repetir porque ainda podemos louvar o Amor sem exasperar. cale, querido, cale em condição de criança e componha o mundo.
teu mastro de sangue só a mim sobe quando ponho meu corpo de joelhos diante do teu umbigo e rogo

um pouco

desata frouxo em mim enquanto a meia-noite é miúda no apaixonamento de poder estar de fronte
meu amor é pouco aos teus cuidados-Nada, sinto que estou sendo os dedos que dissolvem a ti
enquanto nó 
somos fita de cetim

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

vespertino

é preiso compreender a folha caída
como eu rejeito essa torta
essa quase simétrica eu gosto
no meio do teu livro
um pássaro rasante feito raia
o vento ondinando ele
a copa imensa dava três árvores
feito galhos, a gente se entrelaça suspensa
qualquer coisa a gente vai praquela outra
e dali, um cara nos tirou do respiro

fui embora pra casa meio de anteontem
aquela vela tanta no chão
a lumeeira de dentro
um jasmim-manga
a mais e uma vida

terça-feira, 7 de outubro de 2008

poema para partir

volto para casa diferente do relâmpago

entretanto o luzeiro são ruídos que faço
na atmosfera embaraçada no destino na fala

encosta os teus gestos flexíveis na parede
vê se o resto do edifício desaba

a escrita é uma visitação abandonada

arruda rosa

vaqueirinho sebastião encomendou reza
sá donãna põe a veia no lugar
o sol se aguçando no ombro dele
chega

nome de bicho eu lembro de manso
de assustado de esquecido de medo
que nunca tiveram fim na mata cheia
as histórias do meu corpo negro
e grosso e encarnado
no corte do meu cabelo feito de fogo
e reses

vaqueirinho sebastião que peço lume
sá menina é boa gorda de coragem
a vereda mudando pro sossego no joelho dele
chega

nome de estrela eu sei de ponta
de rabeca e de besouro
que deram fim na areia arruda
rosa do tempo
e figas